24 de out. de 2011

Motovelocidade - O piloto e o poeta

Filho de Alois Feichtenberger, primeiro fotógrafo profissional de Goiânia, Kurt Feichtenberger começou suas aventuras sobre duas rodas aos 15 anos de idade, nas corridas de bicicletas nos primeiros anos da década de 1970. Mas, suando em cima de uma magrela, Kurt sonhava mesmo era com desafios mais radicais simbolizados por uma máquina de duas rodas impulsionada por um motor de combustão interna. Aficionado espectador das corridas que movimentavam as joviais ruas do centro de Goiânia em datas comemorativas, mais do que torcer Feichtenberger idealizava pilotar aquelas máquinas reluzentes e ágeis. Domar um cavalo de aço e fibra era a sua meta.
O pai era contra a ideia amalucada do menino Kurt. A mãe, com amor, uma certa dose de cumplicidade e a típica compreensão materna que move a maioria das mães do mundo, ajudou o candidato a piloto a amolecer o coração paterno. Não demorou muito para a garagem da família Feichtenberger comportar uma seminova Yamaha 50cc. 
A primeira moto de Kurt tinha história e estava acostumada a pilotos malucos e aventuras radicais. A pequena máquina foi adquirida do poeta Gabriel Nascente e tinha sido coadjuvante de uma das várias aventuras confessadas pelo bardo na obra O Copo das Ilusões, tendo à garupa o "também rapazola dos seus vinte anos, rebelde, irreverente" poeta e escritor Brasigóis Felício."Numa anuviada tarde de sexta-feira, decidimos colocar a minha moto - uma Yamaha, 50 cilindradas - na BR-153, com destino à Morrinhos. Razão: rever as nossas namoradinhas, a Gilma e a Cidália Goltz, as musas das nossas romanescas aventuras; hoje palco de ilusões perdidas... Mas faltava o capacete, o que obtivemos, na base do jeitinho brasileiro: emprestado, pronto, para zarparmos...Bati com o pé direito no pedal de partida da moto e gritei- "S´imbora, máquina!", abrindo o peito na direção da liberdade. A motocicleta, com capacidade para até 140 quilômetros por hora, ia singrando os ares da paisagem rural, que margeava o asfalto, de ambos os lados, com suas alfombras de copioso verde", trafega, poeticamente, Gabriel Nascente. 
No pódio
A sorte da valente máquina não foi melhor nas mãos iniciantes de Kurt. "Cheguei a correr com a cinquentinha", recorda. Em meados de 1972, tendo o inexperiente piloto ao guidon, a Yamahazinha enfrentava a pista de terra do Moto Clube de Goiânia. 
Depois de muito treinar e testar a resistência mecânica da pequena máquina, em agosto de 1974 o jovem Kurt provou o doce sabor da vitória e pisou nas nuvens do pódio ao vencer a primeira corrida regional do Autódromo Internacional de Goiânia, categoria 125 cilindradas. O gosto do triunfo fez saltar para as pistas o piloto arrojado que pulsava no peito de Kurt Feichtenberger.
De 1974 a 1981, o filho do fotógrafo tornou-se campeão e vice-campeão goiano, campeão e vice paulista e campeão e vice-campeão brasileiro na categoria 125 especial, além de campeão e três vezes vice-campeão da taça Centauro. "Muitas vezes, naquela época, usávamos a premiação para pagar o hotel", diverte-se. Graças às peripécias e ousadias do filho, o fotógrafo Alois Feichtenberger começou a ser conhecido como o pai do piloto Kurt Feichtenberger.
Casamento em duas rodas
A família de Kurt Feichtenberger respira motociclismo desde a sua fundação. Antes de seu casamento, em uma homenagem idealizada pelo motociclista e jornalista Fernando Campos, Kurt deu uma volta no Autódromo Internacional de Goiânia com a noiva à garupa, em uma Honda CB 400 vermelha, acompanhado de um grupo de motociclistas. Foi o primeiro casamento em duas rodas da história da capital goiana. 
Excesso de zelo
Além de desfiar um rosário de orações a cada corrida, Karoline Feichtenberger, mãe zelosa que cuidava da segurança do filho Kurt, fabricou com carinho e dedicação o primeiro macacão com tecido resistente envergado pelo destemido piloto. Como é de conhecimento dos espectadores e integrantes do circo da motovelocidade nos quatro quantos do planeta, a glória de qualquer piloto audaz é desfilar pelos boxes com o macacão raspado, gasto pelo contato com as pistas. Quanto maior o estrago, mais intensos são os olhares e demonstrações de admiração e respeito. Entretanto, em uma exagerada preocupação com a aparência do jovem piloto, a cada corrida dona Karoline reformava o macacão e o deixava com cara e aroma de novo para o próximo desafio do filho Kurt Feichtenberger.

Dias de Glória - 1º Grande Prêmio Brasil de Motociclismo


Graças ao pioneirismo de amantes do vento no rosto como Froes, Dino, Luzio, Nilson e Nicola Limongi, Wilson e Jacy Espirandelli, Paulistinha e outros cuja memória ficou na poeira da estrada, Goiânia inaugurou os anos 80 como um dos principais centros consumidores de motocicletas e formadores de pilotos do país. A cidade contava com um autódromo de primeira linha. “Em termos de traçado e segurança, o autódromo Internacional de Goiânia estava entre os melhores do país”, garante Dino Limongi com a experiência de quem conheceu intimamente os autódromos brasileiros. Em Goiás residiam pilotos que ocupavam o topo do ranking brasileiro e sul-americano de cross e motovelocidade. Se o motociclismo goiano começou a engatinhar nas décadas de 1950 e 1960 apoiado nos braços seguros dos heróis das corridas de rua e do Moto Clube de Goiânia, na década de 1980 ele atingiu a adolescência e, como um típico adolescente, ousou.
Roberto Boettcher, superintendente do autódromo em 1987, e os pilotos Edmar Ferreira e Kurt Feichtenberger formularam e colocaram em prática o ótimo plano de convidar as equipes que disputavam o mundial de motociclismo para treinar a pré-temporada em Goiânia. “Quando o Eddie Lawson chegou no autódromo de Goiânia ele não acreditou no que presenciou, ficou impressionado inclusive com a segurança do circuito. Depois vieram as equipes da Honda e Cagiva”, recorda Boettcher.

GP Brasil: Daytona Bike no Cerrado

¨Toda aquela velha estrada do passado rolava vertiginosamente como se a taça da vida tivesse sido entornada e tudo houvesse enlouquecido subitamente¨. (On The Road, Jack Kerouac)
A primeira corrida de motocicletas, conhecida como "Motorcycle Scrambles", aconteceu em 1897 em Surrey, subúrbio de Londres. Entretanto, o Campeonato Mundial de MotoVelocidade só começou a ser disputado em 1949. O primeiro campeão na categoria 500cc foi o inglês Leslie Graham.
Em 1987, 38 anos depois da conquista de Graham, Goiânia, cilindro de um motor chamado Planalto Central, recepcionou o 1º Grande Prêmio Brasil de Motociclismo, Classe 250 e 500 cc Velocidade. Nos dias 24, 25, 26 e 27 de setembro, a capital de Goiás entrou em erupção, lotada de motociclistas e suas máquinas malucas. O olho do furacão era a Praça Tamandaré, que cuspia motos para todos os cantos da cidade. Goiânia, Daytona Bike Week à brasileira. Na porta dos bares e da boate plantados naquele pedaço do Setor Oeste, as máquinas roncavam nervosas. Esportivas importadas e legalizadas ¨sabe Deus como¨, gigantes e pesadas Amazonas, BMW restauradas, várias Sete Galo, triciclos, inúmeros exemplares da Honda CB 400 e alguns da recém lançada Yamaha RD 350, além de um exame de motos Yamaha 125 cc 2 T e burrões incrementados urrando e ostentando potências reais ou imaginárias para o maior público que o busto do Marechal Tamandaré já avistou nas imediações da lendária praça.
Motocicletas sendo empinadas no meio da multidão, latas espalhadas pelo chão, alguns tombos, polícia realizando intervenções pontuais, uma ou outra representante do sexo feminino mais exaltada passeando em garupas com pouca ou nenhuma roupa, muito álcool e drogas menos lícitas, ânimos acirrados, polícia lançando gás para dispersar a multidão. Rolou um pouco de tudo nas três noites que emolduraram os dias de velocidade, malabarismo e balé sobre duas rodas na pista do Autódromo Internacional de Goiânia.

A corrida


Domingo, 27 de Setembro de 1987, sol, 39º graus na primavera quente da cidade, e nos setores 1 e 2, arquibancada e tribuna especial do Autódromo Internacional de Goiânia, a multidão, ressaqueada e cansada dos agitos noturnos na capital do Cerrado, foi tomada por um forte arrepio e sentiu uma aceleração nos batimentos cardíacos quando os motores das 250cc roncaram para a volta de apresentação da etapa brasileira do Campeonato Mundial de Motovelocidade. Sito Pons venceu a corrida, mas Anton Mang foi campeão antecipado.
Ídolo pop no circo do motociclismo na década de 1980, tetravice-campeão mundial de 500 cc, o piloto Randy Mamola conquistou a torcida brasileira e a tela da Globo nos treinos com uma cena histórica em que, por aproximadamente 200 metros, perdia, encontrava e retomava as rédeas da máquina sem ceder à lei da gravidade.
Campeão no marketing pessoal, nas pistas Mamola ficou com a 3ª colocação. Foi superado pela técnica e a tocada profissional de Eddie Lawson. O ronco dos motores e as manobras radicais dos ídolos mundiais da motovelocidade foram transmitidos ao vivo para mais de 80 países.


Campeões das 500cc nos campeonatos mundiais com a etapa brasileira disputada em Goiânia
1987- Wayne GARDNER
1988 -Eddie LAWSON
1989-Eddie LAWSON

Hora do pesadelo


Segunda-feira, dia 28 de setembro de 1987, a população goianiense foi catapultada do sonho da tribo de malucos, que acampou na cidade com suas máquinas coloridas e barulhentas, para o pesadelo do acidente nuclear com o Césio-137. “Quando aconteceu, ninguém sabe ao certo . A primeira notícia vazou no dia 28 de setembro e o episódio, segundo os catadores de papel, começou cinco dias antes... Desde a primeira semana do acidente começaram a chegar notícias inquietantes dando conta de reservas de hotel canceladas, de suspensão de encomendas e até de tentativa de evitar o estacionamento de carros de Goiânia em outras cidades do país”, relata o jornalista Fernando Gabeira no livro Goiânia, Rua 57, O Nuclear na Terra do Sol.
Apesar do arranhão azul do Césio-137 na imagem do Estado no cenário turístico, a brincadeira se repetiu. Nos anos de 1988 e 1989, o circo do motociclismo mundial plantou o seu mastro na cidade idealizada por Pedro Ludovico Teixeira.

Goianos no pódio



As edições do mundial de motovelocidade realizadas em Goiânia injetaram ainda mais adrenalina e gasolina nas veias dos pilotos locais, que extrapolaram as fronteiras do estado e conquistaram campeonatos regionais e nacionais. Pilotos como Josué Júnior, o Buchecha, cujo primeiro tombo de um máquina de duas rodas aconteceu quando ele ainda habitava o confortável útero materno. “Foi quando a dona Regina Maranhão, minha mãe, com seis meses de gravidez, resolveu dar uma voltinha na garupa e acompanhar meu pai em uma queda de Lambretta", brinca.
Fora da barriga da mamãe, Buchecha teve o seu primeiro contato com um guidon de motocicleta no início da década de 70, monitorado pelo piloto de motovelocidade Evandro Araújo, irmão do aprendiz, que corria de Xispa e Lambretta. Evandro tinha um método de ensino pouco ortodoxo: a cada tropeço de Júnior, o professor aplicava-lhe um cascudo.
A pedagogia da porrada aplicada por Evandro alcançou bons resultados e, no início dos anos 80 do século passado, Buchecha tinha adquirido a estranha mania de desgostar de gastar o pneu dianteiro da motocicleta, uma Yamaha RX 125, e realizava acrobacias em uma roda na praça Tamandaré e no retão do Autódromo Internacional de Goiânia.
"mãetrocinadora"
Foi justamente no retão que o aprendiz de piloto conheceu com grande intensidade o mal que o asfalto faz em contato direto com a pele de um motociclista. "Na primeira metade da década de 1980, sofri um tombo no retão do autódromo a mais de 100 km/h, com o corpo protegido somente por um frágil calção. Ralei até o pensamento. Foi necessário fazer um enxerto nas costas", relembra Buchecha.
Com a intuição apontando para o óbvio, ou seja, que lugar de correr é na pista, em 1983 Buchecha heroicamente disputou os campeonatos Goiano, Brasiliense e Centro-Oeste de motovelocidade, categoria 125. "Sem recursos para montar uma equipe, eu pegava botina emprestada, o carro da minha mãe, um Passat 75. A botina voltava toda ralada, esfolada. Quem emprestava em uma corrida se recusava a emprestar na próxima", diverte-se. Mas o blusão e a motocicleta eram de Buchecha, doados pela paciente e compreensiva Regina Maranhão, espécie de "mãetrocinadora" do iniciante nas pistas.
Mesmo com essa estrutura improvisada, o estreante Buchecha terminou a temporada na elogiável posição de vice-campeão dos campeonatos Goiano, Brasiliense e Centro-Oeste. "O Renato venceu o goiano, e o Márcio Maia, de Brasília, um piloto muito veloz, venceu o brasiliense e o Centro-Oeste".
A arte de se equilibrar em uma roda e a tocada forte de Buchecha pelas ruas da cidade logo despertaram a atenção especial dos "homens da lei" responsáveis pela ordem e a segurança do trânsito na capital. À época, Buchecha corria de blitz como rato foge de gato. Ironicamente, em busca de uma profissão e de um ganha pão digno que garantisse a grana para uma motocicleta, a gasolina e outras despesas necessárias para uma vida descente, em 1986 Josué foi aprovado no concurso da Polícia Militar do Estado de Goiás. 
Evidentemente, o novo soldado terminou no pelotão de motocicletas da PM-GO, no comando de uma Honda CB 450. "Eu acelerava forte e conquistei o respeito dos colegas", orgulha-se. No papel de gato, o jovem militar agia com bom senso, advertindo os motociclistas mais afoitos e ousados antes de ameaçar com a prisão e apreensão da motocicleta. 
Leve descontrole
Considerado à época o melhor motociclista da Polícia Militar goiana, Buchecha foi um dos escolhidos para a escolta do então Ministro da Justiça do governo José Sarney, Paulo Brossard, em visita a Goiânia. Como ponta de lança avançado da escolta, Buchecha, em um determinado momento, decidiu colocar, por conta própria e risco acentuado, a atrasada agenda do ministro no horário. Na avenida Tocantins com rua 3, Buchecha acelerou forte e a Honda CB respondeu com uma empinada radical que durou até o cruzamento com a rua 2, para desespero do sargento responsável pela escolta.
Durante a visita ao Palácio das Esmeraldas, o tenente comandante responsável pela segurança do ministro determinou que nenhum dos integrantes da equipe seria liberado antes de falar com ele. No saguão do aeroporto Santa Genoveva, um assessor do ministro convocou a escolta a pedido do ministro. O sargento coordenador da escolta suou frio e imaginou que o problema criado pelo ás do guidom ganhara contornos ainda maiores. Debaixo de seu inseparável chapéu, Paulo Brossard não economizou elogios. "Em nenhuma capital do Brasil tive uma escolta tão eficiente. Em particular um 
dos senhores que conseguiu retomar o domínio da descontrolada motocicleta no centro da cidade. Anote os nomes dos responsáveis para que o Ministério da Justiça envie um elogio por escrito", ordenou Brossard à assessoria. Surpreso, o coordenador respirou aliviado e reforçou o retórico afago do ministro. 
O cabo Buchecha, como era conhecido no meio miliciano, trabalhou por 12 anos no batalhão de motocicletas e, em 1988, foi para reserva devido um acidente de trabalho que lhe custou fraturas na tíbia e perônio. Em 2005, aos 41 anos, retornou as pistas disputando os campeonatos brasileiro e brasiliense de 500cc.

O menino de Taguatinga 


Dos "peguinhas" no viaduto de Taguatinga para as pistas do Brasil e do mundo. Essa é uma veloz definição da trajetória de Cristiano Vieira na motovelocidade. Após vencer todos os rachas realizados na cidade satélite de Brasília, Cristiano Vieira começou a levar a sério a brincadeira em cima de sua Mobillete e, aos 13 anos de idade, participou da primeira corrida de sua carreira de vitórias no cartódromo de Brasília, em 1985, na categoria ciclomotor. "As minhas duas primeiras corridas foram sem o conhecimento de meu pai, que ficou extremamente irritado quando descobriu. Mas depois ele percebeu que eu tinha jeito para acelerar e me apoiou integralmente", recorda. 
Em 1987, o futuro campeão mudou-se para Goiânia, cidade que contava com um ótimo campeonato da categoria ciclomotor: a Copa Pepsi. "No primeiro ano, eu ganhei o título e no segundo ano cai, machuquei o pé e fiquei em 3º lugar no campeonato". Na Copa Pepsi Cristiano, ironicamente, era patrocinado pela Coca-Cola. "Eu andei vários campeonatos em minha vida, mas o de ciclomotor me marcou muito. Era uma moçada nova, interessada em crescer, um campeonato muito disputado", relembra, saudoso. 
Em 1989, Cristiano Vieira empreendeu um grande salto de categoria, passando a correr, e vencer, na Copa RD 350, a maior categoria brasileira existente à época. "No primeiro ano eu cai muito, mas não desisti. Aprendi mais sobre circuito, motocicleta, mecânica, peguei as "manhas" e, em 1990, fiquei em terceiro no campeonato e fui campeão brasileiro em 1991, com 18 anos". 
Em 1992, surgiu no Brasil a Copa CBR. E Cristiano não perdoou: foi, pilotou e venceu o campeonato brasileiro de CBR. Em 1996, depois de uma experiência mal sucedida no campeonato espanhol devido à carência de patrocínio, o piloto brasiliense radicado em Goiás ficou em 2º lugar no campeonato brasileiro categoria 600cc. No ano seguinte, correndo na categoria 125 GP, motos similares às usadas no campeonato mundial, Cristiano Vieira subiu ao podium como campeão e consolidou seu nome na galeria dos heróis goianos da motovelocidade. Em 1998, foi vice-campeão da categoria e, em 1999, repetindo o feito de 1997, conquistou o bicampeonato na 125 GP. 
Em 2000, Cristiano foi convidado pela Honda para disputar o campeonato espanhol na categoria 250. O piloto terminou em 8º lugar. 
Em 2001, Cristiano voltou ao pódio geral na condição de campeão brasileiro da categoria 600 cc. "Todos os títulos que tinha para ganhar no Brasil eu ganhei. Entretanto, não realizei o meu grande sonho de competir uma temporada no Campeonato Mundial. Eu dediquei toda a minha vida a esse sonho", lamenta.

“Hemoftalmia competitiva”

Segundo o piloto carioca Luiz Carlos Silva Pinto Neto, O Luizinho, grande destaque do motociclismo nacional que disputou o campeonato europeu de super esporte, “Moralles pilota com sangue nos olhos”. Não se trata de generoso exagero de companheiro de pistas e boxes. Os títulos conquistados por Edson Moralles confirmam o piloto carioca. Com pouco mais de 30 anos de idade, o piloto anapolino já tinha conquistado a Copa Duas Rodas, em 2000; o Campeonato Brasileiro na categoria 125 4T, em 2001; o Campeonato Brasileiro na categoria 500 cc, em 2003; o Vice-Campeonato Brasileiro na categoria 600cc, em 2004, e foi escolhido pela Revista Motociclismo Magazine, uma das mais conceituadas publicações especializadas do país, Piloto Revelação de 2001 e Melhor Piloto de Motovelocidade de 2003. 
O avô materno de Edson Moralles, Otacílio Santana, um amante das antigas e relusentes Jawas e Lambrettas, despertou na família a paixão por veículos de duas rodas. Capturados pelo vírus das pistas, Antônio Edson Moralles, o pai, e Itamar Santana Rodrigues, o tio de Edson, participaram, na década de 1970, do Campeonato Brasileiro de Motovelocidade, categoria 125. "Eu sempre quis vencer para homenagear e honrar os nomes do meu pai e do meu tio", confessa o piloto. Com apenas sete anos de idade, o hoje campeão se aventurou pela primeira vez no comando de um guidon de motocicleta, dando algumas voltinhas em uma mini-moto de um amigo do pai no autódromo de Goiânia. Logo veio a primeira máquina, uma Yamaha RX 80. Depois de se divertir acelerando a modesta "oitentinha", Edson Moralles não parou mais, só fez pit-stop. " Era um sonho de meu pai me assistir nas pistas, mas, infelizmente, Deus o levou antes de ter esse sonho concretizado".
Piloto Revelação
Em uma dessas coincidências que o destino mais complica do que explica, meses depois do falecimento de Antônio Moralles a Moto Limongi, Moto Três e Associação Duas Rodas de Motociclismo promoveram a Copa Duas Rodas, destinada a pilotos amadores e a revelação de novos talentos no motociclismo goiano. Edson Moralles e os irmãos montaram uma 125 especial e o candidato a piloto venceu as duas etapas, sagrando-se campeão da Copa. 
No ano seguinte, 2001, Moralles disputou o Campeonato Brasileiro, categoria 125 4T. "No meu ano de estréia no brasileiro venci todas as etapas das quais participei e conquistei o vice-campeonato", relembra.
Surgia uma nova revelação na motovelocidade brasileira. Moralles foi destaque em todas as revistas especializadas do país. Em 2002, o piloto saltou para a categoria 500cc com uma Honda CB 500. Faltou patrocínio e Edson desistiu. "Até a motocicleta era emprestada de um amigo de Brasília", recorda com o gosto amargo da falta de apoio. 
Em 2003, ano em que a Honda do Brasil comemorou 6 milhões de motocicletas produzidas no país, ainda sem patrocínio e com muita raça e força de vontade Moralles vendeu alguns bens e comprou uma CB 500 financiada. Conseguiu patrocínio da Moto Limongi e assessoria e preparação do tio Itamar e do mecânico Marcelo Rafael. "Desde o inicio o tio Itamar esteve ao meu lado. É como um pai para mim", confessa emocionado. Com o apoio dos amigos e muito braço, Moralles foi campeão brasileiro das 500cc.
No ano seguinte, nova mudança, agora para a categoria 600cc. Entretanto, o patrocínio insuficiente mais uma vez barrou o talento e os sonhos de vitória de Moralles. Mesmo assim, correndo com um braço quebrado em uma queda na terceira etapa da competição, o menino de sangue nos olhos foi vice-campeão. 
Em 2005, participou apenas de 5 etapas e abandonou o campeonato por problemas no ombro e a crônica falta de patrocínio. 

Em sua meteórica carreira na motovelocidade, Edson Moralles provavelmente correu mais atrás de patrocínio do que nas pistas. Nas pistas Moralles conquistou melhores resultados. Entretanto, viciado em vencer o piloto com “hemoftalmia competitiva” não desiste diante das dificuldades. "Desde quando me entendo por gente gostei de motociclismo. Correr para mim não é hobby, é minha vida, está no sangue e foi um dom doado por Deus". 
Tudo ou nada
De acordo com Edson Moralles, a corrida que mais marcou sua carreira foi disputada no Rio de Janeiro, na antepenúltima etapa do brasileiro de 2003. "Eu estava pensando em parar por causa das dificuldades de patrocínio. Era uma corrida tipo tudo ou nada. Eu venci e me posicionei bem para ser campeão da temporada".
O piloto segreda que nos 10 minutos antecedentes a uma corrida vem uma estranha vontade de desistir. "Entretanto, quando a motocicleta funciona só vem um pensamento: vencer a corrida. Mesmo com um equipamento ruim eu não tiro a mão", garante com um sorriso sincero.

Um homem na estrada


Início do século XXI. A molecada que roletava pelos bares da Tamandaré e outros points “massas” nos movimentados anos 80 do século XX, no lombo duro de utilitárias com poses de esportivas, cresceu. Nevaram em seus cabelos. Outros cabelos não esperaram a neve. Uma barriguinha saliente acomodada no cinto, trabalho, contas a pagar. Entretanto, na garagem, merecidamente mais espaçosa, em lugar privilegiado e vistoso repousa um cavalo negro de aço e cromo. Uma ponte sobre rodas ligando o adulto responsável aos ventos da adolescência. Os ex-moleques da “motoquinhas barulhentas” são, agora, os respeitáveis malucos das máquinas cromadas.
Ideias arejadas, o médico João Batista Alencastro é o típico cavaleiro pós-moderno de roupa negra e DNA da saudosa Tamandaré que hoje desbrava as estradas e ruas do mundo. “Sou um menino, um jovem de 40 e poucos anos de idade”, depõe.
A primeira moto que o garoto João pilotou, com apenas 13 anos de idade, foi uma Honda CG125, a clássica e resistente motocicleta conhecida afetuosamente por “Burrão”. A modesta utilitária made in Zona Franca de Manaus também foi a responsável por apresentar o irremovível e duro chão ao ousado candidato a motociclista. “Aprendi a andar de moto com meu tio Rui, que, infelizmente, partiu em um acidente de moto”, emociona-se.
Entretanto, o coração goianiense de Alencastro bate em compasso alegre e acelera forte quando o veterano motociclista relembra das tardes e noites das décadas de 1970 e 1980 na louca Praça Tamandaré. “Foi uma fase extremamente agradável. Sábados e domingos divagando sobre máquinas no hotel e restaurante Papillon”.
À época, as máquinas que arrepiavam os cabelos dos braços de muito marmanjo dublê de piloto eram a Honda CB 400, a maior moto nacional, a Honda Gold Wind 1000, importada de 999 cc e motor quatro cilindros contrapostos, e a Honda CB 750Four, motor de quatro cilindros em linha, quatro escapamentos cromados, escolhida a “Moto do Milênio” em uma eleição promovida por várias revistas especializadas do mundo. “Eu não tive nenhuma dessas motos mas as amei profundamente”, entrega Alencastro.

Retão
Outro ponto de encontro da meninada que surfava em duas rodas era o retão do autódromo de Goiânia. “Confesso que frequentava e descia o retão do autódromo, deitado no banco e trocando a marcha com a mão esquerda. Como sou canhoto trocava a marchas com extrema rapidez”, sorri um sorriso adolescente. Contudo, se justifica. “Quando se é menino há o mágico pensamento de que nada acontece de ruim. Hoje eu ando devagar, com cuidado”. Tá bom, a gente acredita João Batista.
Acometido pelo vírus da estrada, em 1982, no lombo de uma Honda XLX 250 R vermelha, a máquina da fábrica japonesa que substituiu o “trator” XL 250, o aventureiro percorreu a costa nordestina. “A XLX era uma moto muito confiável e tinha um único defeito: o coice do pedal, que cobrava uma certa resistência da canela do piloto”, rememora com precisão.
Em 1999, na previsível e deliciosa companhia de uma Harley Davidson Dyna Glide, João Batista percorreu o sonho de 11 em cada 10 amantes de duas rodas: a Rota 66. “A paisagem geográfica dos EUA é belíssima: florestas, desertos, montanhas, Oceanos Pacífico e Atlântico. Rodei mais de 7.500 km nos EUA e não vi um buraco. É um cenário esculpido para motos estradeiras”, recorda com brilho nos olhos. “O caminho interior também é muito bonito. Refletir sobre a vida tendo como moldura a América profunda”, divaga.

Chuva, bebida alcoólica e noite


Indiscutivelmente aficionado, Alencastro pilota motocicleta cotidianamente e o carro só abandona a garagem para passeios com a família. “Eu acho um absurdo o cara comprar uma moto de milhares de reais para passear no final de semana. Provavelmente ele vai cair por falta de perícia”.
Para o veterano, a regra para uma pilotagem segura é simples: “Moto tem duas rodas e foi feita para cair. Se você pilota mal e não respeita os limites da máquina, o seu destino é o chão”.
Na opinião do experiente motociclista, três ingredientes não combinam com motocicleta: chuva, bebida alcoólica e noite. “Não uso bebidas alcoólicas, não piloto na chuva e à noite somente em perímetro urbano”.
Quando esse médico vai criar juízo e se deslocar como um ser humano da era industrial, ou seja, sobre quatro rodas? A resposta é rápida e certeira, semelhante a uma arrancada de uma máquina de grande cilindrada. “Jamais deixarei de pilotar motocicletas. Quando a idade pesar e os reflexos falharem compro um triciclo para sentir o vento no rosto”. Definitivamente, João Batista Alencastro é um homomotociclisticus.

Harley não tem defeitos, tem características

Em algum lugar numa autoestrada deserta /Ela dirige uma Harley-Davidson /Seus longos cabelos loiros esvoaçando no vento /Ela passou metade da vida dirigindo /O cromo e o aço, que ela monta /Colidindo com o mesmo ar que ela respira/O ar que ela respira... (Unknown Legend- Neil Young)



A Harley Davidson não depende exclusivamente da venda de motocicletas para sobreviver. A Harley vende uma imagem, um ícone, uma filosofia de vida. A cada dólar colhido na venda de uma moto, entram 2,5 no caixa da marca da venda de collectibles. Vender motos é, na verdade, o segundo bom negócio da Harley.

Insanidade responsável

Idealizador, fundador e líder de uma das mais experientes, respeitadas e solicitadas equipes de Motoshow Acrobático do Brasil, Marcos Mendes de Souza, o popular Doideira, é um símbolo anárquico do motociclismo goiano. No inicio da década de 1980, sob o olhar petrificado do busto do almirante Tamandaré e cavalgando uma Yamaha RX 125, Marcos Doideira causava sensação ao empinar a pequena máquina e mantê-la por longos metros em uma só roda. “Eu comecei a andar em uma roda e gostei”, resume.
A alcunha Doideira é um apelido familiar, que um irmão colocou como forma de provocação e acabou consolidada pela forma arrojada e destemida do piloto se comportar sobre duas rodas.
Nos anos 80 do século XX, atuando como entregador de jornal no Diário da Manhã, Marcos era considerado o motociclista mais rápido da equipe. Enquanto os outros iniciavam as entregas às 5 horas da matina para terminar as entregas cinco horas depois, o futuro rei das acrobacias iniciava seu roteiro às 8 horas para concluir, rápido e certeiro, às 10 horas. “Os caras das bancas diziam: lá vem o doidão do Diário da Manhã”, sorri.
No cargo de vendedor da loja Tonin Bala, Doideira percebeu a possibilidade de profissionalização das loucuras realizadas nas ruas. “Eu viajava com Tonin nas corridas de motocross para fazer apresentações e comecei a me profissionalizar”.
Curiosamente, o Doideira, que na década de 1980 corria de policiais que tinham certa dificuldade em aceitarem os shows públicos e informais do ás do guidon, no século XXI é o responsável pelo treinamento do Grupo de Intervenção Rápida e Ostensiva, o GIRO da Polícia Militar do Estado de Goiás. “O fato de treinar o GIRO da PM contribuiu para melhorar a imagem da marca Doideira. Até então Doideira era sinônimo de loucura, bebidas e drogas”, reconhece. Uma fama injusta, segundo ele, pois a equipe é extremamente profissional e careta, não mistura bebida com pilotagem e não usa drogas. O vício da galera é, decididamente, a adrenalina em doses generosas circulando nas veias.


Para Doideira, os anos 80 do século passado foram os melhores em termos de motociclismo em Goiânia. “Na década de 80 tinha uma quantidade menor de motocicletas rodando em Goiânia e menos pilotos que realizavam uma pilotagem mais arrojada, mas foi uma época muito boa, apesar dos tombos e acidentes”, recorda com saudades. O piloto garante que na época quem rodava sobre uma Honda CB 750four era “o cara”. “A Honda CB 400 nacional também fazia sucesso”, assinala.Outra máquina lembrada com respeito por Doideira: a Yamaha RD 350, apelidada de Viúva Negra. Fabricada no Brasil de 1986 a 1989, a Viúva oferecia um desempenho agressivo, com o ponteiro do velocímetro saltando de 0 a 100Km/h em apenas 5.3 segundos. “Era uma moto muito violenta, muito veloz. Na primeira vez que pilotei uma, empolguei com o acelerador e encontrei o chão”. De acordo com Marcos Doideira, a 350 esportiva da Yamaha atingia 200 km/h, tinha bons freios, mas era muito leve, pesando aproximadamente 150 kg. “Quando se exigia muito dos freios, ela desaparecia debaixo do piloto”.

Segurança em uma roda


O piloto que já atingiu 209 km/h equilibrando-se na roda traseira da máquina e, muitas vezes arrancou na porta do Autódromo Internacional de Goiânia em uma roda e voltou a tocar a roda dianteira no chão após o viaduto da BR-153, não abre mão da segurança. Na opinião de Doideira, conscientização, responsabilidade no trânsito, um curso de pilotagem defensiva e andar sempre equipado são comportamentos que garantem vida longa ao motociclista. “Não existe moto perigosa, perigoso é o condutor. O condutor de motocicleta deveria passar por um processo mais rigoroso de aprendizagem para conseguir uma CNH”, defende.
Quanto à mistura álcool e guidon, Doideira é taxativo. “Bebida alcoólica não combina nem para andar sobre duas pernas, imagina em cima de duas rodas. Infelizmente muitos não têm essa consciência. É melhor deixar a motocicleta no local da bebedeira e acordar no outro dia com a incumbência de buscá-la do que amanhecer com os ossos quebrados em um hospital”. O Doideira encaretou? “Não. O Doideira está ficando mais responsável, aprendendo a pisar no chão com mais firmeza, pensando no amanhã com mais lucidez”, responde rápido.
Perdas e ganhos
Apesar de lamentar profundamente a perda de amigos motociclistas como o piloto Caveirinha e o artista Bráulio, que transformava tanques de motocicletas em verdadeiras obras de arte, Marcos não esconde a sua paixão por motocicletas. “Tudo que tenho hoje foi conquistado em cima de uma motocicleta. Quando vou para praia de férias e fico sem pilotar alguns dias sonho que estou andando de moto. Agradeço a Deus por não ter tirado minha vida antes de assistir tudo de bom que está acontecendo em termos profissionais”, assinala emocionado. ¨Vou andar de moto até ficar velhinho”, garante, com um brilho insano no olhar.

1 de out. de 2009

O Lado escuro do sol

Conselho de seu pai "motocicleta é perigoso Vital. É duro te negar filho, mas isto dói bem mais em mim". Fragmento da letra Vital e sua Moto (Herbert Vianna)

Quem já pegou a estrada emoldurada pelo primeiros raios de sol, no comando de uma máquina confiável, que desliza suave no tapete de britas e pinche com estabilidade e precisão, conhece com exatidão o sabor da vida sobre duas rodas. Entretanto, ingredientes como postura irresponsável no trânsito, cidade entupida de veículos, uso de bebidas alcoólicas e outras drogas têm, cada vez mais, privado um número maior de motociclistas de degustar o próximo nascer-do-sol.
De acordo com dados do Hospital de Urgência de Goiânia, a cada meia hora acontece um acidente envolvendo motocicletas na capital. Diariamente são realizadas cerca de 20 cirurgias no HUGO, cinco em vítimas de acidentes envolvendo motocicletas. Dos aproximadamente 900 atendimentos diários do Hospital de Urgência, 46 são de motociclistas. Lesões de extremidades em membros inferiores e superiores lideram o número de atendimentos, seguidas de lesões no tórax e traumatismo craniano.
A capital goiana é a segunda cidade brasileira em número de mortes de motociclistas vítimas de acidentes de trânsito, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Uma morte a cada dois dias, que vitima, geralmente, jovens do sexo masculino com faixa etária entre 18 e 35 anos de idade. Seqüelas, membros amputados, meses em leitos hospitalares, sofrimentos de familiares em UTIs e mortes que poderiam ser evitadas com uma postura mais responsável no trânsito. Mas, infelizmente, a insensatez faz com que alguns motociclistas troquem o couro pelo gesso, o banco da máquina por uma limitante e desconfortável cadeira de rodas.
Cerca de 80% dos acidentes de trânsito no Brasil são consequências diretas ou indiretas da embriaguez alcoólica. O álcool na corrente sanguínea provoca o comprometimento da percepção e o retardamento dos reflexos. A dosagem excessiva resulta na perigosa diminuição da percepção e na total lentidão dos reflexos, o que reduz a consciência do perigo.Quanto mais álcool a pessoa consumir, mais comprometidas ficarão as habilidades para pilotar.

Emoção com segurança

As máquinas de duas rodas, ao longo das décadas, têm abrigado motores cada vez mais potentes e compactos, exigindo perícia e agilidade do piloto. Seduzido pela indescritível sensação de liberdade, da virilidade do cavalo aliada à potência e perfeita integração homem/máquina, um número crescente de pessoas tem aderido ao desafio de cavalgar uma motocicleta.
Somente quem já experimentou o vento no rosto, o roncar indócil do motor comandado por mãos seguras, a paisagem passando como que acionada a tecla “f.f.” e o deslizar suave dos pneus sobre o asfalto sabe o sentido de se pilotar uma dessas máquinas. O corpo acompanhando o balé harmonioso, desafiando a lei da gravidade sobre duas rodas e um motor a separá-las.
Generosa em oferecer doses brutais de liberdade, emoção e prazer, a motocicleta, por outro lado, coloca piloto e passageiro em posição mais vulnerável em relação ao trânsito. Portanto, para que essas agradáveis sensações não se transformem em tragédia é necessário observar alguns procedimentos indispensáveis a uma pilotagem segura.
Use sempre todos os equipamentos de segurança. Capacetes de cores vivas com adesivos refletivos e bem justos à cabeça, blusão de couro ou de tecido resistente, luvas de couro, calça comprida de tecido resistente, botas de couro e cano alto, para proteger o tornozelo, são acessórios indispensáveis à segurança de piloto e passageiro.
A motocicleta deve ser inspecionada diariamente. O farol deve ser mantido aceso, mesmo durante o dia. O motociclista e a sua máquina devem estar visíveis ao espelho retrovisor do veículo à frente, evitando o chamado “ponto cego” do motorista.
Tomadas essas precauções, resta amarrar a mochila na garupa e pegar a estrada. Easy Rider!

30 de set. de 2009

CB 750 Four: a Beth das motos


No ano de 1968,  no Brasil autoritário as entranhas do regime pariram o AI-5, enquanto isso, na terra do Sol Nascente a Honda apresentava ao mundo um novo paradigma em motos, a CB 750 Four, que no país do carnaval e do jogo do bicho ganhou o apelido de Sete Galo. Motor de quatro cilindros em linha, quatro escapamentos cromados, partida elétrica, freio a disco de acionamento hidráulico, câmbio de cinco marchas e um urro inconfundível eram os principais atrativos da máquina.
A CB 750Four chegou ao Brasil em setembro de 1969, tornando-se referência em alta cilindrada. Durante a década de 1970 e início dos anos 80, a sete galo foi a Beth das motocicletas: todos queriam Beth /desejavam Beth /sonhavam com Beth/mas ela nem ligava. A 750 da Honda ligava. Ligada respondia alto e forte à torção do manete do acelerador, oferecendo uma potência de 67 cv e 200 km/h de velocidade máxima.
Em 1983, no Salão de Paris, a Honda apresentou a moderna CBX 750 F, herdeira de 17 anos de evolução da pioneira CB 750, que em abril de 1986 chegou ao mercado brasileiro.
Disponível apenas na cor preta, a moto era a versão comercializada na Europa e EUA montada na Zona Franca de Manaus, com índice de nacionalização próximo a zero. O motor passou por uma tropicalização para aceitar nossa gasolina com álcool, que lhe custou 9 cv. Ela chegou ao mercado a Cz$ 129.290 (cruzados), em valores atuais cerca de R$ 20.500. Seria barata se não fosse por um detalhe inaugurado no Plano Cruzado idealizado pelo governo Sarney: o ágio. Desejada por motociclistas de todo Brasil, na prática a CBX 750F era vendida a Cz$ 400.000, ou seja, US$ 29.050 (cerca de R$ 60.000 em valores atuais). Por isso recebeu o título pouco elogiável de “a 750 mais cara do mundo”.
A versão nacionalizada se manteve praticamente inalterada por quatro anos, apenas com o índice de nacionalização sendo gradativamente elevado. Em 1990 foi lançada a última versão da Sete Galo nacional, batizada de Indy.


29 de set. de 2009

O formato telenovela é uma paixão nacional. Apesar de o machismo brasileiro jurar que novela é coisa de "mulherzinha", muitos marmanjos estacionam a motocicleta na garagem e aboletam-se em frente a TV para acompanhar os folhetins eletrônicos.
Muitas telenovelas brasileiras, além dos ingredientes usuais de uma produção de teledramaturgia, tiveram no elenco uma motocicleta macia e leve passeando seu charme na cidade cenográfica. Algumas entraram para a história da teledramaturgia brasileira.

Cavalo de Aço (1973)


Em 1973 estreava a novela Cavalo de Aço (Globo), de Walter Negrão e direção de Walter Avancini, provavelmente a primeira novela brasileira a ter uma motocicleta como "coadjuvante principal". Na abertura, uma logomarca com a cara de um cavalo tendo os traços de uma motocicleta ao centro. A história contava com um elenco de primeira linha, com Glória Menezes, Tarcísio Meira, Betty Faria, José Wilker, Mário Lago e Carlos Vereza. As cenas externas foram gravadas em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde foi construída a cidade cenográfica de Vila da Prata. Nas chamadas da novela, o eterno casal global: “Na terra de ninguém a força é um direito e o terror é a lei. Marcando a volta de Tarcisio Meira e Glória Menezes no seu horário de novelas das oito da noite”.
Logo no primeiro capítulo, Rodrigo (Tarcísio Meira) chega à cidade fictícia localizada no interior do Paraná em uma possante motocicleta para se vingar do assassinato de sua família.
Cavalo de Aço começou discutindo reforma agrária, mas a censura proibiu. Tentou-se a temática drogas. Assim que os censores leram na sinopse uma cena em que aparecia um papelote de cocaína, decidiram suspender qualquer menção ao assunto. Para fugir da ignara sanha da censura, a trama foi transformada simplesmente numa história de amor.
No meio da trama o vilão é assassinado, garantindo um enredo policial que acabou dominando a novela e segurando a audiência. De acordo com Daniel Filho, no seu livro Antes que me Esqueçam, "A idéia era uma trama de aventuras, com motocicletas passeando pelo Paraná. Mas a novela foi tão mal que, no capítulo 90, disse a ele (Walter Negrão) que a novela ia acabar no capítulo 100".
Os sapatos de sola de borracha usados pelo personagem Rodrigo fizeram moda à época, sendo chamados de "sapatos Cavalo de Aço". A trilha internacional da novela reunia nomes como Marvin Gaye, Stevie Wonder e, abrindo o lado B do vinil, a melosa Don't Say Goodbye (tema de Miranda), entoada pelo cantor Chrystian, antes do mergulho no mundo "breganejo" ao lado do irmão Ralph.
Transcorridos 15 anos, Walter Negrão utilizou a idéia central de Cavalo de Aço para escrever um outro sucesso global: Fera Radical.


Estúpido Cupido (1976)

Última novela da Globo produzida em preto-e-branco, Estúpido Cupido estreou no dia 25 de agosto de 1976 com muitas Lambrettas, blusões de couro, topetes, rock e twist. A novela de Mário Prata tinha como tema principal a participação de uma jovem em um concurso de miss. O enredo tinha como base o ano de 1961 e as mudanças comportamentais da década de 1960 na fictícia cidade de Albuquerque.
A novela foi gravada em Itaboraí, interior do Estado do Rio de Janeiro. As novelas radiofônicas de Janete Clair, a preparação da seleção brasileira para o Mundial de 1962, Repórter Esso e os programas de auditório, com os ídolos da música, são alguns dos panos de fundo da trama.
Um dos pontos altos da novela, a trilha sonora vendeu um milhão de cópias. O bolachão tinha o som pré-jovem guardistas de Celly Campello (Banho de Lua e Estúpido Cupido), roquinhos inocentes como Biquíni de Bolinha Amarelinha Tão Pequenininho (Ronnie Cord), Boogie do Bebê (Tony Campello), Broto Legal (Sérgio Murillo), Diana (Carlos Gonzaga), Bata Baby (Wilson Miranda) e alguns rock-baladas como Quem É? (Osmar Navarro, sucesso na voz de Hebe Camargo) e Sereno (Paulo Molin, que também emplacou na voz de outra cantora, Leny Eversong). A trilha ainda trazia a antológica dor-de-cotovelo Meu Mundo Caiu, com Maysa, e a bossa nova Ela É Carioca.

Fera Radical (1988)

Na abertura a bela Malu Mader e a fera 2T da Agrale, Elefantre SXT 27.5. Mesmo longe - Rio Novo ficou esquecida no passado – no conforto de Ipanema, Rio de Janeiro, a agora jovem Cláudia não perdoa seus algozes. O massacre de sua família, pai, mãe e irmãos, precisa ser vingado, para cumprir a promessa feita a si própria. E a hora é essa. Obstinada, prepara-se para voltar à pequena Rio Novo, empregada em uma das fazendas possível e provavelmente envolvidas no seu triste passado. No meio a tantas dúvidas, apenas uma certeza: quer descobrir os verdadeiros culpados. E se vingar de cada um deles, custe o que custar! Este é o prólogo de Fera Radical, novela de Walter Negrão, escrita com a colaboração de Luiz Carlos Fusco e Ricardo Linhares, com direção de Gonzaga Blota e Denise Saraceni.
Durante as gravações, a atriz Malu Mader, em entrevista à enquete "Você tem medo de quê?" da revista feminina Amiga, assumiu ter medo de andar de moto, o veículo mais utilizado por sua personagem Cláudia.
O cantor Cazuza participou do capítulo 74, na reinauguração da Arqueria Sherwood, cantando Ideologia. Fera Radical foi o último trabalho da atriz Yara Amaral, que faleceria poucos meses depois de ter terminado a novela, na tragédia do Bateau Mouche, reveillon de 1989.
Na trilha nacional, a presença do goiano João Caetano com a bonita canção Pedaços, tema da personagem Olívia.


28 de set. de 2009

Vital e sua moto

Vital e sua moto mas que união feliz /Corria e viajava era sensacional /A vida em duas rodas era tudo que ele sempre quis /Vital passou a se sentir total /Com seu sonho de metal... (Herbert Vianna)

Segundo o arqueólogo britânico Steven Mithen, professor de Pré-História da Universidade de Reading, na Inglaterra, mesmo antes de desenvolver um padrão de linguagem, os hominídeos que viviam entre 50 mil e 100 mil anos atrás utilizavam a música como forma de comunicação e socialização.
Pelo menos neste aspecto a tribo pós-moderna de roupas de couro e máquinas de aço e cromo ainda vive como seus antepassados. A música acompanha de perto os roncos dos motores. E nenhum som produzido por banda nacional marcou mais a geração 80 de motociclistas do que Vital e Sua Moto, composição de Hebert Vianna entoada por uma banda de Brasília de nome esquisito, que depois de Vital se transformou em sucesso do rock brasileiro: Paralamas do Sucesso.
Inspirado em Vital Dias, o ex-baterista da banda, Vital e sua moto foi o primeiro êxito do grupo e um dos pontos altos do primeiro LP, Cinema Mudo, de 1983, pela EMI. Por ter faltado a uma apresentação, Vital foi substituído por Barone. Depois, com a alcunha de Vital Case, o maluco tocou também na Banda Sadom, uma das mais antigas e mais pesadas bandas de heavy metal do underground carioca.




27 de set. de 2009

Easy Rider

O motociclista que nunca assistiu Easy Rider (Sem Destino, no titulo brasileiro) deve estacionar a máquina na garagem e assistir duas vezes ao filme dirigido e estrelado por Dennis Hopper e Peter Fonda e que acelerou rumo à primeira indicação ao Oscar para Jack Nicholson. Somente depois de percorrer a Rota 66 em companhia de Fonda e Hopper volte a tocar no guidom.
Reza a lenda que, em 27 de setembro de 1967, Peter Fonda estava descansando num hotel em Toronto, Canadá. Acendeu um baseado e ficou olhando uma foto de The Wild Angels (1966), que o mostrava junto a Bruce Dern em frente a duas motocicletas. Ali começou a nascer o mais cultuado road movie da Contracultura.
Segundo relatos da época, o diretor Dennis Hopper provocou revoltas ao mostrar-se um autoritário implacável e entrar em choque de egos com Peter Fonda. A estréia de Easy Rider em Cannes, em 13 de maio de 1969, foi recebida com um desconcertante silêncio, seguido da aclamação emocionada do público. Não ganhou a Palma de Ouro, mas Hopper foi considerado o melhor diretor novo. Recebeu duas indicações para o Oscar, nas categorias de melhor ator coadjuvante (Jack Nicholson) e melhor roteiro original. A crítica ficou encantada. Era o começo de um novo cinema americano.
O filme conta a história de dois amantes da liberdade quem têm paixão por motociclismo e pelo vento batendo no rosto, em uma trama bem costurada por motos, drogas e rock n’roll. Os nomes dos personagens foram inspirados nos fora-da-lei mais conhecidos do velho-oeste americano: Wyatt Earp e Billy The Kid. 


Trilha Sonora

A trilha Sonora de Easy Rider é assim mesmo, com S maiúsculo. Memorável, desliza pela Rota 66 com  Steppenwolf, Jimi Hendrix, Fraternity Of Man, The Byrds, e contribuições de Roger McGuinn, uma delas a clássica "Ballad Of Easy Rider".


Relógio 
No início da jornada, Wiatt, interpretado por Peter Fonda, já em cima de sua Harley Davidson, tira o relógio do pulso e arremessa no chão, em uma das mais marcantes cenas simbólicas da história do cinema mundial.
Desde 2001, corre o rumor sobre a produção de uma continuação para Sem Destino. A Miracle detém os direitos para três continuações do clássico.

26 de set. de 2009

Motoclubes

Um encontro de motoclubes é um dos eventos sociais festivos mais exóticos realizados por tribos urbanas. Variados perfis de vida orbitando entorno da paixão por máquinas e viagens. São, geralmente, três dias do mais autêntico espírito easy rider, misturado à pós-moderna noção de Zona Autônoma Temporária (TAZ).
Gravatas, notebooks, agendas abandonados na estante enquanto empresários, executivos,  jornalistas, funcionários públicos, agropecuaristas vestidos de aventureiros abandonam o estresse cotidiano em busca de liberdade, diversão ancorada em duas ou três rodas, bom papo, companhia agradável e cerveja gelada. Os motociclistas que habitam o Planalto Central e os irmãos de jaquetas de couro visitantes de outros estados contam com cerca de 12 eventos anuais de médio porte em Goiás. O Estado conta com mais de três dezenas de motoclubes em plena atividade, alguns ocupando espaço privilegiado no ranking nacional. Mas essa é uma história para um outro blog...

Hora de desligar o motor

Pede a saideira que agora é brincadeira e ninguém vai reparar/Já que é festa, que tal uma em particular. (Cazuza) 

O papo está sincero, mas a caravana com histórias do motociclismo em Goiás estaciona por aqui. Uma parada estratégica para reabastecimento. Mas a história continua. Pelo menos enquanto existir no planeta viventes que amam a liberdade, o vento, o sol, a amizade, máquinas rebeldes e a linha do horizonte riscando a estrada. Brothers in the wind.

25 de set. de 2009

Bibliografia Básica

Livros
BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária (TAZ), Conrad Editora, São Paulo, 2001


FILHO, Daniel. Antes que me Esqueçam, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1988


GABEIRA, Fernando. Goiânia, Rua 57, O Nuclear na Terra do Sol, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1987


GODINHO, Iúri Rincon. A História da Propaganda em Goiás, Contato Comunicação, Goiânia, 2006


KEROUAC, Jack. On The Road, L&PM, Porto Alegre, 2004


LUDD, Ned (org.). Apocalipse Motorizado A Tirania do Automóvel em um Planeta Poluído, Conrad Editora, São Paulo, 2005


NASCENTE, Gabriel. O Copo das Ilusões, EditoraKelps, Goiânia, 2004


THOMPSON, Hunter S. Hell’s Angels, Medo e Delírio Sobre Duas Rodas, Conrad Editora, São Paulo, 2004

Sites

Além de uma porrada de entrevistas divertidas, passionais, exageradas, inventivas...