As edições do mundial de motovelocidade realizadas em Goiânia injetaram ainda mais adrenalina e gasolina nas veias dos pilotos locais, que extrapolaram as fronteiras do estado e conquistaram campeonatos regionais e nacionais. Pilotos como Josué Júnior, o Buchecha, cujo primeiro tombo de um máquina de duas rodas aconteceu quando ele ainda habitava o confortável útero materno. “Foi quando a dona Regina Maranhão, minha mãe, com seis meses de gravidez, resolveu dar uma voltinha na garupa e acompanhar meu pai em uma queda de Lambretta", brinca.
Fora da barriga da mamãe, Buchecha teve o seu primeiro contato com um guidon de motocicleta no início da década de 70, monitorado pelo piloto de motovelocidade Evandro Araújo, irmão do aprendiz, que corria de Xispa e Lambretta. Evandro tinha um método de ensino pouco ortodoxo: a cada tropeço de Júnior, o professor aplicava-lhe um cascudo.
A pedagogia da porrada aplicada por Evandro alcançou bons resultados e, no início dos anos 80 do século passado, Buchecha tinha adquirido a estranha mania de desgostar de gastar o pneu dianteiro da motocicleta, uma Yamaha RX 125, e realizava acrobacias em uma roda na praça Tamandaré e no retão do Autódromo Internacional de Goiânia.
"mãetrocinadora"
Foi justamente no retão que o aprendiz de piloto conheceu com grande intensidade o mal que o asfalto faz em contato direto com a pele de um motociclista. "Na primeira metade da década de 1980, sofri um tombo no retão do autódromo a mais de 100 km/h, com o corpo protegido somente por um frágil calção. Ralei até o pensamento. Foi necessário fazer um enxerto nas costas", relembra Buchecha.
Com a intuição apontando para o óbvio, ou seja, que lugar de correr é na pista, em 1983 Buchecha heroicamente disputou os campeonatos Goiano, Brasiliense e Centro-Oeste de motovelocidade, categoria 125. "Sem recursos para montar uma equipe, eu pegava botina emprestada, o carro da minha mãe, um Passat 75. A botina voltava toda ralada, esfolada. Quem emprestava em uma corrida se recusava a emprestar na próxima", diverte-se. Mas o blusão e a motocicleta eram de Buchecha, doados pela paciente e compreensiva Regina Maranhão, espécie de "mãetrocinadora" do iniciante nas pistas.
Mesmo com essa estrutura improvisada, o estreante Buchecha terminou a temporada na elogiável posição de vice-campeão dos campeonatos Goiano, Brasiliense e Centro-Oeste. "O Renato venceu o goiano, e o Márcio Maia, de Brasília, um piloto muito veloz, venceu o brasiliense e o Centro-Oeste".
A arte de se equilibrar em uma roda e a tocada forte de Buchecha pelas ruas da cidade logo despertaram a atenção especial dos "homens da lei" responsáveis pela ordem e a segurança do trânsito na capital. À época, Buchecha corria de blitz como rato foge de gato. Ironicamente, em busca de uma profissão e de um ganha pão digno que garantisse a grana para uma motocicleta, a gasolina e outras despesas necessárias para uma vida descente, em 1986 Josué foi aprovado no concurso da Polícia Militar do Estado de Goiás.
Evidentemente, o novo soldado terminou no pelotão de motocicletas da PM-GO, no comando de uma Honda CB 450. "Eu acelerava forte e conquistei o respeito dos colegas", orgulha-se. No papel de gato, o jovem militar agia com bom senso, advertindo os motociclistas mais afoitos e ousados antes de ameaçar com a prisão e apreensão da motocicleta.
Leve descontrole
Considerado à época o melhor motociclista da Polícia Militar goiana, Buchecha foi um dos escolhidos para a escolta do então Ministro da Justiça do governo José Sarney, Paulo Brossard, em visita a Goiânia. Como ponta de lança avançado da escolta, Buchecha, em um determinado momento, decidiu colocar, por conta própria e risco acentuado, a atrasada agenda do ministro no horário. Na avenida Tocantins com rua 3, Buchecha acelerou forte e a Honda CB respondeu com uma empinada radical que durou até o cruzamento com a rua 2, para desespero do sargento responsável pela escolta.
Durante a visita ao Palácio das Esmeraldas, o tenente comandante responsável pela segurança do ministro determinou que nenhum dos integrantes da equipe seria liberado antes de falar com ele. No saguão do aeroporto Santa Genoveva, um assessor do ministro convocou a escolta a pedido do ministro. O sargento coordenador da escolta suou frio e imaginou que o problema criado pelo ás do guidom ganhara contornos ainda maiores. Debaixo de seu inseparável chapéu, Paulo Brossard não economizou elogios. "Em nenhuma capital do Brasil tive uma escolta tão eficiente. Em particular um
dos senhores que conseguiu retomar o domínio da descontrolada motocicleta no centro da cidade. Anote os nomes dos responsáveis para que o Ministério da Justiça envie um elogio por escrito", ordenou Brossard à assessoria. Surpreso, o coordenador respirou aliviado e reforçou o retórico afago do ministro.
O cabo Buchecha, como era conhecido no meio miliciano, trabalhou por 12 anos no batalhão de motocicletas e, em 1988, foi para reserva devido um acidente de trabalho que lhe custou fraturas na tíbia e perônio. Em 2005, aos 41 anos, retornou as pistas disputando os campeonatos brasileiro e brasiliense de 500cc.

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